64ª Reunião Anual da SBPC
F. Ciências Sociais Aplicadas - 5. Direito - 13. Direito
COMUNIDADES QUILOMBOLAS: O DESAFIO DIÁRIO PARA O RECONHECIMENTO; VALORIZAÇÃO E PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO SÓCIO – CULTURAL E AMBIENTAL
Luciana Stephani Silva Iocca 1
Irenilda Ângela dos Santos 2
1. Mestranda - Programa de Pós-Graduação em Política Social - Mestrado - UFMT
2. Profa. Dra./ Orientadora - Instituto de Ciências Humanas e Sociais - UFMT
INTRODUÇÃO:
A força de trabalho escrava de origem africana foi usada por mais de 300 anos no Brasil, durante este período se formaram os primeiros quilombos, constituídos, principalmente, por escravos fugidos. Com a abolição do sistema escravocrata de produção, a questão negra foi negligenciada, permanecendo por muito tempo invisível aos olhos do Estado e da sociedade, em total esquecimento legal e social. Com a Constituição Federal de 1988, art. 68 da ADCT, a questão quilombola foi inserida na agenda das políticas públicas, sendo garantido aos remanescentes de quilombos o direito à propriedade das áreas, por eles tradicionalmente, ocupadas, reconhecendo o papel de grupo participante no processo de formação histórica e social brasileira, ligando a territorialidade à identidade. Desde então, legislações nacionais e internacionais foram criadas visando regulamentar e resguardar esse direito previsto como fundamental, portanto, de aplicação imediata. Assim, a presente pesquisa teve por objetivo analisar as legislações nacionais e internacionais referentes às comunidades quilombolas, ao longo dos anos, desde o reconhecimento do direito a terra, com a promulgação da Constituição de 88, até o final de 2011 e a aplicabilidade e eficácia das mesmas.
METODOLOGIA:
A pesquisa pautou-se na análise comparativa das legislações nacionais revogadas e em vigor referente às comunidades quilombolas e a regularização fundiária; na análise documental das peças processuais da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3239 junto ao banco de dados processuais do Supremo Tribunal Federal. Foram analisados, ainda, a Convenção 169 e pareceres da Organização Internacional do Trabalho (OIT) referente a povos indígenas e tribais. Os dados também foram coletados por meio de pesquisa bibliográfica em livros e artigos, em teses de mestrado e doutorado; bem como nas pesquisas da FCP – Fundação Cultural Palmares e Instruções Normativas do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA.
RESULTADOS:
A primeira normatização foi a Portaria 307 do INCRA, vigorando até 1999. Em 2001, foi editado o Decreto n.3912 que, sem amparo legal, restringia o alcance do art. 68, limitando a aplicação do direito apenas as terras ocupadas por quilombos em 1888 e as que estavam ocupadas por remanescentes em 5 de outubro de 1988, causando a paralisação dos processos de titulação. Em 2002 o Brasil ratificou a Convenção 169 OIT que reconhece o direito de propriedade dos povos tradicionais. No ano de 2003 importantes avanços viabilizaram a aplicabilidade do art. 68, como a publicação do Decreto Presidencial n.4887 que estabeleceu a autodefinição como principal critério, a competência do INCRA para conduzir os processos e a desapropriação de terras particulares inseridas em áreas quilombolas. Todavia, o Decreto vem sendo contestado judicialmente pelo Projeto de Decreto Legislativo 44/07 e pela ADI 3239 sob o argumento de invasão de esfera reservada à lei, figurando como interessados na ação sindicatos da agroindústria e do agronegócio. Atualmente os processos são regulados pela IN 57 do INCRA, trazendo várias restrições de direito, como a complicação das etapas processuais e a necessidade de certidão da FCP para início do procedimento de titulação, não bastando mais a declarações de autodefinição.
CONCLUSÃO:
As comunidades quilombolas ainda são marcadas pela exclusão e o reconhecimento do direito a terra encontra-se ameaçado, ainda que previsto expressamente como direito fundamental em âmbito nacional e internacional. Os mecanismos previstos pela OIT para aceleração do processo de titulação não são aplicados, bem como as previsões em legislação nacional. Caso a ADI 3239 seja julgada procedente ou o projeto de Decreto Legislativo 44/2007 seja aprovado muitas comunidades serão prejudicadas, havendo restrição de direitos e até mesmo a perda dos títulos já obtidos após anos de embate. Fruto de uma construção histórica, a sociedade brasileira, em consonância com o modelo capitalista adotado, estabeleceu uma visão jurídica privatista da terra, conferindo-lhe valor econômico e baseando o sistema de aquisição, primordialmente, na compra e venda, sendo resistente ao direito de povos tradicionais. Dentro deste cenário, as comunidades quilombolas lutam para encontrar espaço em meio aos interesses econômicos da indústria e do agronegócio, numa luta desigual e com total ausência do Estado que, legalmente, assumiu o compromisso de ampará-las.
Palavras-chave: Quilombolas, Direitos Sociais, Exclusão Social.